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A BATALHA ISS X ICMS NA TRIBUTAÇÃO DOS SOFTWARES POR TRANSFERÊNCIA DE DADOS

Por Parvati Teles Gonzalez

Enquanto a economia cria “comportamentos e formatações sociais” é sabido que o Direito nasce para os regular. Ou seja, pressupõe-se que uma norma jurídica possua como seus antecessores lógicos os fatos e os valores de dada sociedade.

Assim é que, historicamente, primeiro experimenta-se um novo fato social para que somente após exista uma norma jurídica que o discipline. Nesse intervalo, é certo que ficarão os cidadãos descortinados e sujeitos às interpretações dadas aos fatos até que se verta em norma jurídica o pensamento predominantemente aceito.

Com a velocidade em que tem ocorrido as transformações digitais, o que se vê é a estagnação dos conceitos jurídicos que não se mostram servis à regulação dos fatos sociais da nova sociedade digital.

Exemplo disso é o grande conflito de competência que surgiu entre Estados e Municípios para a tributação dos softwares por transferência eletrônica de dados. Se, por um lado, entendem os Municípios que se trataria de um serviço a incidir o ISS, já que não haveria na operação uma transferência da propriedade de tecnologia ou de mercadoria, os Estados entendem que haveria um novo conceito de bem digital sem suporte físico, sendo que se enquadrariam nesse conceito os jogos eletrônicos, aplicativos, softwares e o streaming, que é a transmissão online de vídeos, tais como o Netflix.

Dentro desse contexto, os Estados editaram o Convênio Confaz 106/2017 com o objetivo de harmonizar a tributação pelo ICMS dessas operações. Ao seu turno, sob a ótica dos Municípios, incluiu-se na lista de serviços instituída pela Lei Complementar 116/03, os itens 1.03, 1.04 e 1.09, de modo a permitir que os Municípios cobrassem o ISS sobre o streaming (Netflix) e os softwares transmitidos de forma eletrônica, como jogos eletrônicos e aplicativos.

Ou seja, há um nítido conflito de competência entre os dois Entes da Federação que deverá ser solucionado pelo Judiciário.

Atualmente, tramita no STF uma Ação Declaratória de Inconstitucionalidade contra o Convênio Confaz que autoriza a incidência de ICMS na transferência eletrônica de software. O TJ/SP também irá analisar a questão, sob a ótica da legalidade, por entender que o Decreto Estadual que estabeleceu a cobrança de ICMS viola a Lei Complementar 87/96 que regula a incidência e cobrança do ICMS.

O mesmo Tribunal já havia concedido uma liminar ao Sindicado das Empresas de Processamento de Dados e Serviços de Informática do Estado de São Paulo para suspender a cobrança do ICMS sobre as operações com software realizadas por transferência eletrônica de dados (download, nuvem ou streaming) por entender que não seria possível criar uma nova hipótese de incidência do ICMS por meio de Decreto Estadual, sendo necessário para tanto a edição de uma Lei Complementar.

A par das discussões no âmbito judiciário, calha ter em mente que a figura do bem digital é algo novo no ordenamento e que demanda a formulação de novos conceitos jurídicos. Isto porque, os velhos arcabouços normativos não se mostram servis a lhe regular.

Isto porque, na ótica jurídica, uma mercadoria sujeita ao ICMS está interligada à existência de um bem corpóreo, móvel e cuja propriedade possa ser transferida à outra pessoa física ou jurídica, ou seja, objeto de mercancia. Com base nesse conceito, chegou-se a tributar os softwares pelo preço de seu suporte físico, o que equivaleria em São Paulo ao dobro do preço do CD ou disquete em que estivesse instalado, já que seria esse objeto o considerado como mercadoria e não o software ali instalado.

Por outro lado, seria serviço aquele bem imaterial transmitido a outrem, podendo ou não estar conjugado com a entrega de um bem. Ou seja, o bem tangível seria considerado uma mercadoria e o bem intangível seria tido como um serviço, posto que desprovido de suporte físico, aproximando-se à uma obrigação de fazer.

Ocorre que, a figura do bem digital não se encaixa em qualquer um dos conceitos acima, já que pode não ser transferida a outra pessoa física ou jurídica, mas apenas cedido por tempo determinado. Ou seja, não se está diante de uma venda de uma mercadoria, pois não há a transferência de propriedade, tampouco há um elemento material que figure como bem corpóreo e móvel. É o caso dos aplicativos que concedem o direito ao seu uso por tempo determinado e sujeito ou não ao pagamento de uma assinatura.

Fato da vida é que o uso de softwares por meio eletrônico, seja por meio de download, streaming ou nuvem, não se amolda aos conceitos de mercadoria ou serviço, atraindo a necessidade da criação de novas normas jurídicas que os regule. Portanto, não se mostra crível que os rendimentos auferidos pela sua comercialização sejam tributados pelo ISS ou ICMS.

O que se pode concluir é que o direito está diante de um novo fato social que exige a formulação de novos conceitos jurídicos capazes de o regular, o que poderia atrair a competência residual da União para instituição de imposto nos termos estabelecidos pelo artigo 154, I da Constituição Federal. Até que isso ocorra, os contribuintes continuarão à mercê do conflito de competências já estabelecido entre Estados e Municípios, que já inaugurou verdadeira batalha onde não há vencedor.

Fonte: Conjur

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